O termo “reforma trabalhista” reverberou nos corredores das empresas e nas mesas de negociação e marcou um ponto de virada significativo na legislação trabalhista brasileira a partir de 2017.
Implementada com o objetivo de modernizar as relações de trabalho, esta reforma pretendia mudanças substanciais que redefiniam os direitos e deveres tanto de empregadores quanto de empregados. Desde a flexibilização das formas de contratação até as novas regulamentações sobre jornada de trabalho e negociação coletiva, as alterações pretendiam impactar profundamente o cenário trabalhista.
Entretanto, algumas alterações não foram bem recebidas pelo Judiciário e, a partir de interpretações, a sua aplicação pode significar um risco para as empresas.
Neste artigo, exploraremos as nuances da reforma trabalhista. Acompanhe-nos para compreender o que mudou e o que permanece no universo das relações de trabalho.
Histórico da Reforma Trabalhista
Para compreender integralmente a reforma trabalhista, é essencial mergulharmos em seu contexto histórico. A jornada dessa reforma começou em 2017, em meio a um cenário de intensas discussões sobre a necessidade de modernizar as leis trabalhistas no Brasil.
À época, o país enfrentava desafios econômicos significativos, e a reforma foi proposta como um meio para flexibilizar o mercado de trabalho, visando estimular o crescimento econômico e a geração de empregos.
A Lei nº 13.467, sancionada em julho de 2017, marcou a concretização dessa proposta, introduzindo alterações profundas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que desde 1943 rege as relações de trabalho no Brasil, juntamente com a Constituição Federal e inúmeras legislações esparsas.
O argumento central para a implementação da reforma era que a legislação trabalhista brasileira, considerada por muitos como ultrapassada e rígida, necessitava de uma revisão para se adequar às novas realidades do mercado de trabalho, incluindo a crescente digitalização e as mudanças nas dinâmicas empregatícias.
Essa reforma, portanto, foi planejada com o intuito de oferecer maior flexibilidade nas contratações, diminuir a burocracia e incentivar o diálogo entre empregadores e empregados.
Apesar de ter sido recebida com opiniões divididas, gerando debates acalorados entre sindicatos, empregadores, trabalhadores e especialistas em direito do trabalho, a reforma trabalhista representou um marco na história do direito laboral brasileiro, estabelecendo um novo paradigma nas relações de trabalho no país.
Principais Mudanças Introduzidas Pela Reforma Trabalhista
A reforma trabalhista implementou uma série de alterações significativas no direito do trabalho brasileiro. Essas mudanças visaram modernizar as relações laborais, tornando-as mais flexíveis e adaptadas às necessidades do mercado contemporâneo.
Entretanto, nem todas essas mudanças foram aceitas pela sociedade, principalmente pelo Judiciário, e acabaram não sendo implementadas por significarem um risco para as empresas.
Exploraremos algumas das principais alterações abaixo.
Flexibilização das Formas de Contratação
Uma das mudanças mais notáveis foi a introdução de novas modalidades de contratação.
Isso inclui o contrato de trabalho intermitente, que permite a contratação de trabalhadores sem a fixação de jornada de trabalho ou remuneração mensal fixa, pagando-os apenas pelas horas efetivamente trabalhadas. Direitos trabalhistas, como FGTS, férias e previdência, são garantidos nessa modalidade, proporcionalmente as horas efetivamente trabalhadas.
Foi também acrescentado o art. 442-B à CLT, para prever que “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.” Esse ponto não foi bem visto pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho e o judiciário trabalhista, por entenderem que houve a precarização das relações de trabalho e a possibilidade de pejotização, ou seja, contratar empregados como pessoas jurídicas.
O Supremo Tribunal Federal também interviu nesse assunto, tendo publicado o Tema 725, de repercussão geral, com o seguinte entendimento: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. A decisão somente foi publicada em 01/12/2023, ou seja, a matéria vem sendo insistentemente discutida há mais de seis anos.
Mudanças nas Regras de Negociação Coletiva
A reforma fortaleceu o poder das negociações coletivas de trabalho, permitindo que as negociações entre sindicatos tenham maior prevalência sobre o estabelecido na CLT, desde que não contrariem a Constituição e as normas de saúde e segurança do trabalho.
A abrangência dessa negociação coletiva de trabalho somente foi esclarecida com o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de um processo onde era discutida a validade de uma cláusula negociada entre os sindicatos, quando então a decisão, com repercussão geral, foi de que: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.”. Trata-se do tema 1.046, publicado em 01/07/2023.
Novas Regras para Férias
Uma das mudanças notáveis diz respeito às férias. Com a reforma, tornou-se possível fracionar as férias em até três períodos, desde que um deles não seja inferior a 14 dias e os demais não sejam menores do que 5 dias corridos cada.
Mudanças nas Regras sobre o Acesso à Justiça do Trabalho
Outra alteração foi a previsão de que os trabalhadores passassem a serem responsáveis pelo pagamento de custas processuais e honorários de advogado em caso de derrota em ações trabalhistas.
O objetivo era desencorajar ações frívolas e diminuir a sobrecarga do judiciário. Além disso, foram estabelecidos limites para a concessão da justiça gratuita, exigindo do reclamante requisitos mais rígidos para seu enquadramento.
Essa alteração, entretanto, acabou sendo interpretada como inconstitucional pelo judiciário trabalhista, ao entender que estaria limitando o acesso do trabalhador hipossuficiente aos seus direitos. Na prática, tornou-se letra morta.
Alterações sobre a Jornada de Trabalho
A reforma também trouxe modificações significativas na gestão da jornada de trabalho. Foi introduzida a possibilidade de negociação do regime de horas extras, permitindo a compensação de horas e a adoção do banco de horas (de até seis meses) por acordo individual.
Adicionalmente, a jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, antes restrita a algumas categorias, foi ampliada para outros setores.
Até então, essas contratações somente eram permitidas por negociações coletivas de trabalho, ou seja, envolvendo os sindicatos profissional e patronal.
Os limites de jornadas de 44 horas semanais e 220 horas mensais permanecem.
Regulamentação do Home Office (Teletrabalho)
Uma das inovações mais relevantes da reforma foi a regulamentação do home office ou teletrabalho, que não era regulamentado pela CLT.
Essa modalidade de trabalho, que ganhou força nos últimos anos, agora possui uma regulamentação específica, definindo diretrizes sobre a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho, bem como o reembolso de despesas arcadas pelo empregado.
Mais tarde, a Lei 14.442/2022, acrescentou o inciso III ao artigo 62 da CLT, para esclarecer que “os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa” estão dispensados do controle de horário e, por consequência, do recebimento de horas extras.
Multa para Empregadores que Mantêm Empregados Não Registrados
A reforma aumentou significativamente o valor da multa administrativa para os empregadores que não registrarem seus empregados. Esta medida visa combater a informalidade no mercado de trabalho, garantindo que todos os trabalhadores tenham seus direitos assegurados, conforme estabelecido na legislação.
Fim da Contribuição Sindical Obrigatória
Outra mudança foi a extinção da obrigatoriedade da contribuição aos sindicatos, também chamado de imposto sindical. Antes da reforma, todo trabalhador contribuía anualmente com um dia de trabalho para o sindicato de sua categoria. Com a reforma, essa contribuição passou a ser opcional, dependendo da autorização expressa do empregado.
Essas mudanças, entre outras, representaram uma transformação significativa no cenário trabalhista brasileiro. Elas refletem uma adaptação às novas realidades do mundo do trabalho, buscando equilibrar a proteção dos direitos dos trabalhadores com a flexibilidade necessária para as empresas em um ambiente econômico cada vez mais dinâmico e globalizado.
Impacto da Reforma nos Contratos de Trabalho
Para os contratos de trabalho que estavam em vigor, a reforma trouxe a necessidade de adaptação às novas normas. Importante ressaltar que as alterações não afetaram direitos adquiridos pelos trabalhadores, mas sim as condições de trabalho daquele ponto em diante. Por exemplo, as novas regras sobre jornada de trabalho e férias agora se aplicam a todos os contratos, exigindo uma reavaliação e, possivelmente, renegociação de termos entre as partes envolvidas.
No que se refere aos novos contratos de trabalho, a reforma proporcionou uma variedade maior de opções para a contratação. Com a introdução de novas modalidades, como o contrato de trabalho intermitente e a regulamentação do teletrabalho, as empresas ganharam flexibilidade para contratar com base nas necessidades específicas do negócio e na disponibilidade dos trabalhadores.
Direitos Trabalhistas Pós-Reforma: O que Permanece
Agora que você já viu alguns dos pontos que sofreram modificações a partir da reforma trabalhista, é crucial entender, também, quais direitos foram preservados. Confira:
Direitos Mantidos
A reforma não alterou direitos fundamentais dos trabalhadores garantidos pela Constituição Federal, como o salário mínimo, FGTS, 13º salário, seguro-desemprego e licença-maternidade.
Além disso, as normas de saúde e segurança do trabalho permaneceram inalteradas, continuando a garantir a proteção dos trabalhadores em seus ambientes de trabalho.
Conclusão
As alterações introduzidas em 2017 deixam claro que essa reformulação representou um marco decisivo na legislação trabalhista do Brasil.
Para empregadores, empregados e profissionais do direito, compreender essas transformações é essencial para navegar com sucesso no dinâmico mundo do trabalho atual.
À medida que continuamos nos adaptando a essas mudanças, é crucial nos mantermos informados e atentos às futuras evoluções na legislação trabalhista, garantindo que os direitos sejam preservados e as oportunidades, maximizadas.